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Equívocos Frequentes sobre as Organizações Sociais

A qualificação de entidades privadas sem fins lucrativos como organizações sociais (OS) foi concebida pela Lei Federal n. 9.637, de 1998, como uma forma de parceria entre Estado e sociedade, para apoiar um projeto de enxugamento da máquina pública, coordenado pelo Plano Diretor da Reforma do Estado (1995). O objetivo era promover a transferência de atividades e serviços públicos sociais para entidades da sociedade civil sem fins lucrativos, no processo que se denominou publicização – de ampliação da participação do terceiro setor no provimento de serviços diretos aos cidadãos.


Nessa parceria, cabe ao Poder Público direcionar a atuação da OS em prol ao interesse público, por meio da celebração do contrato de gestão, que deve contemplar os objetivos e metas de desempenho institucional que a entidade parceria deve alcançar; e dar, em contrapartida, o seu apoio financeiro de forma que ela possa atingir os resultados esperados.


Portanto, a celebração de contratos de gestão com organizações sociais não é uma forma de contratação de serviços e sim a formação de laços de colaboração mútua entre o Setor Público e a entidade privada. Não há pagamento por serviços prestados e sim fomento público, que não se restringe à dimensão financeira, mas se estende também à destinação de patrimônio e servidores públicos, mediante cessão.


O objetivo do fomento público é propiciar à organização social as condições para que ela realize o objeto do contrato de gestão que, na área da saúde, é, geralmente, a prestação de serviços assistenciais gratuitos à população.


A diferença entre contratação e colaboração não é nova no nosso Direito Administrativo e está muito bem disciplinada pela Lei 4.320 de 1964, promulgada há mais de cinquenta anos atrás. Essa lei deixa bem claro que as despesas classificadas como transferências correntes não estão relacionadas com a contraprestação de serviços. São uma forma de subvencionar entidades sem fins lucrativos para que essas possam alcançar patamares mais elevados de desempenho e de resultados de interesse público.


O Supremo Tribunal Federal (STF), na decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1923, de 2015, atualizou e modernizou esse entendimento ao reconhecer que o fomento público destinado às organizações sociais são uma estratégia adotada pelo Poder Público para disciplinar, de forma não coercitiva, a conduta de particulares, estimulando o seu desempenho, por meio da destinação de recursos financeiros e da cessão de bens e de pessoal da administração pública.


Assim, fomento e pagamento não se confundem. São institutos diferentes e suas bases de cálculo também devem ser.


É muito importante entender corretamente o conceito e as bases das relações de colaboração mútua e diferenciá-las das relações comerciais, de contratação de serviços, porque, diferentemente de uma contratação usual, via Lei 8.666, de 1993 ou, ainda Lei 14.133, de 2021, a celebração de contratos de gestão com organizações sociais autoriza a cessão de patrimônio público para entidades privadas e, na maioria das vezes, resulta da extinção de um órgão público, de um hospital público, da extinção de um serviço e sua substituição pela atuação privada, em regime de parceria.


Portanto, é preciso muita atenção, muito critério, muito cuidado na escolha da entidade parceira, porque diferentemente da contratação de serviços, o foco não é proposta mais vantajosa, como previsto em muitas leis estaduais e municipais de OS da saúde, na trilha da legislação de compras e contratações.


A seleção deve focar nas qualidades da entidade, com base na sua capacidade de ser parceira a médio e longo prazo. É preciso olhar o seu compromisso com a comunidade, verificar sua expertise e a qualidade dos serviços que presta, olhar suas contas e a sua capacidade de realmente aplicar o recurso público que lhe será transferido no objeto do contrato de gestão. Olhar quem são seus fundadores ou associados, quem são seus dirigentes, a sua estrutura decisória e seus métodos de gestão.


E para isso, é preciso que o gestor estruture um processo de escolha focado na busca de uma parceira e não de uma fornecedora de serviços. Quando buscamos um parceiro, tanto na vida privada quanto na Administração Pública, esperamos dele compromissos diferentes do que quando contratamos serviços de alguém.


Outro ponto importante em relação às organizações sociais da saúde é o objeto da parceria, que será sempre a execução de atividades e serviços de interesse público e não a transferência da gestão de unidades administrativas públicas, de hospitais, para a entidade privada.


Salvo melhor juízo, não há respaldo no Direito Administrativo para se admitir terceirizar a administração de um órgão público ou de sua unidade administrativa, mediante contrato. Uma unidade hospitalar de uma secretaria de saúde não pode ser entregue a uma entidade privada para que essa a gerencie ou administre.


Esse é um equívoco recorrente nos contratos de gestão celebrados com as organizações sociais da saúde. Ao transferir os serviços para uma OS, esse hospital público é automaticamente extinto. Seu patrimônio e servidores são cedidos à OS e ficam à disposição da entidade privada. O seu comando passa a ser privado. O hospital deixa de ser público. O que continua público são o patrimônio e os servidores eventualmente cedidos.


A OS é uma entidade que atua de forma privada, comandada por particulares, que assume o compromisso de prestar serviços de interesse público, nos termos do contrato de gestão. Ela se compromete a aplicar os recursos financeiros, patrimoniais e humanos disponibilizados pelo Setor Público para alcançar objetivos e metas de desempenho, na realização de suas finalidades institucionais, que convergem com os objetivos do setor público, com o interesse coletivo.


Daí resulta a parceria. Entender qual é, de fato, o objetivo da parceira é o primeiro passo. O objeto é a prestação de serviços de interesse público para atender à comunidade e não a gestão de unidades públicas hospitalares.


O problema desses equívocos conceituais, da liberalidade com o emprego de termos inadequados, da condescendência com o alargamento e com o desvio dos institutos jurídicos é que eles afetam as bases do Direito Administrativo, gerando insegurança jurídica para o gestor e para a Administração.


Autora: Valéria Alpino Bigonha Salgado, agosto de 2023


Direcionado a gestores e servidores públicos do SUS.

Inscrições abertas. Maiores informações podem ser obtidas pelos telefones 61 99525-8383 ou 61 99615-3484 ou pelo e-mail: direito.gestao.publica@gmail.com.






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